Ontem, na praia, eu observava meu filho de 6 anos (foto ao lado). Pezinhos livres de sapatos, uma pá e um balde. Água e muita areia. Nada além disso para fazê-lo feliz. Ora construía um vulcão, ora passagens secretas numa dita montanha. E eu, lá, contemplando simplicidade e criatividade, ouvindo aquela risadinha boa dele que soa como carinho na alma.
Cena tão distante essa dos momentos frente a tablets, celulares e companhia, refleti. Foi quando eu pensei no equilíbrio entre quantidade e qualidade, discussão, na real, nem recente e sim frequente entre pais e especialistas. Mas, entre os limites e potencialidades de utilização das tecnologias, das revisões e incrementos de alertas, da maneira certa ou errada com que os pequenos deveriam interagir com as telas, falta algo a dizer, ou pelo menos ressaltar.
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Falta dizer que os pequenos são nossos. É o meu, o teu, leitor. Só a gente sabe a dor de nem sempre poder se doar 100% a eles e a delícia de quando isso acontece. Tolerância para mais ou menos tempo frente às telas me preocupa. Mas me preocupa muito mais o quê eles - e nós, pais - ganhamos ou perdemos em qualquer desses tempos.
Antes disso, é importante que a gente saiba que o mote não é dúvida ou problema só nosso. É uma questão de saúde pública. E não sou eu quem está dizendo. É a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). A exposição às telas em um momento crucial para o desenvolvimento de habilidades que serão importantes por toda a vida é o ponto de alerta deles. Eles têm até um Manual de Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital. Essa edição de 2016 se reporta a pediatras, educadores e escolas, pais e às crianças e adolescentes.
Tecnicamente, eu poderia apontar diversos itens e problematizar outros. E, inclusive, o tema me leva até a regimentos escolares que proíbem veementemente dispositivos móveis numa era, justamente, digital. No ambiente onde mais se deveria contar com apoio e conscientização, aproveitamento, imersão na aprendizagem. Mas, isso é papo para outro momento.
Eu quero mesmo contar o que uma pesquisa realizada pela AVG Technologies (uma das líderes globais em segurança online em ranking de 2015, que fornece soluções de software e serviços para dispositivos, dados e pessoas) revelou no ano passado: um estudo, que envolveu famílias de todo o mundo, mostrou que:
- 66% das crianças entre 3 e 5 anos de idade conseguia usar jogos de computador
- 47% sabia como usar um smartphone
- 14% era capaz de amarrar os sapatos sozinha
No caso das crianças brasileiras, o levantamento apontou que 97% das crianças entre 6 e 9 usam a internet e 54% têm perfil no Facebook.
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O quê me choca - para não dizer desespera - é o expressivo dado de não amarrar os cadarços de um tênis sozinhos. Aí, eu que atuo no ensino superior, rapidamente relembro que cobramos, repetida e incansavelmente, autonomia, independência, criatividade, inovação, ousadia. A gente quer, afinal, formar quem o mercado precisa: perfis resolutivos.
Num turbilhão de emoções, eu digo, em meio a leitura da pesquisa:
- Filho, vamos amarrar o tênis?!
Confesso que quase que com medo de dar-me conta que não tinha ensinado isso a ele ainda.
Ele me responde
_ Não sei bem, mãe. Mas deve ter um aplicativo.
Não achei aplicativo, mas tutorial sim: 3 formas de amarrar o cadarço do tênis por Emily
Num momento de frustração, sensação de incompetência, eu faço justamente o contrário a ser feito. Eu, apesar de não nativa digital, sempre conectada, dou, claro, um google, esqueço tudo que estudei, ignoro o fato do meu marido e pai do meu filho ser analista de sistemas e um super entusiasta dos aspectos positivos e promissores da tecnologia na aprendizagem infantil e chego às patologias ocasionadas por ela: déficit de atenção, atrasos cognitivos, dificuldades de aprendizagem, impulsividade e problemas em lidar com sentimentos como a raiva.
Uma mãe nervosa, uma boa internet e uma ferramenta de busca, tudo junto, é um perigo. Vão por mim!
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Enquanto eu me questionava e um link me levava a outro, o meu pequeno larga o livro que desenhava, amarra o tênis (eu disse amarra o tênis!) e sai. Eu fecho o notebook, respiro e penso: a imposição de regras não funciona se os pais exageram! Não devemos ser maus porque optamos por clicar no Minecraft no restaurante. Quem aponta, afinal, não percebe que a criança está, possivelmente, num lugar sem atrativos infantis e que não há mal de assistir desenho. Há de ser se é somente esse o lugar que a família frequenta. Há em deixar de jogar bola, fazer castelos de areia. Há em nós mesmos não pararmos de usar smartphones, tablets e computadores. Não adianta nada impor regras e dar mau exemplo.
Talvez tenhamos de, antes dos manuais, focar no nosso espaço e tempo familiar, no que funciona e não funciona na nossa casa. Mas, principalmente, quais regras - ou quais excluirmos - permitem que sejamos felizes?
Agora, alguns pontos da literatura e aulas que acho que vale a pena compartilhar para refletirmos:
- Até os 2 anos e meio, os bebês não conseguem transferir o que veem na tela para a realidade. Verdade! Precisam ser ensinados sobre o que estão assistindo para que associem a experiências reais. Oportunidade para nós, pais. Essa informação é de Jenny Radeski, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.
- Os impactos negativos do exagero não ficam restritos aos aspectos comportamentais e emocionais. Tem também a ameaça do sedentarismo. Uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) avaliou os hábitos de 21 voluntários com idade entre 8 e 12 anos e constatou que 14 deles não praticavam nenhuma atividade física, por exemplo.
- A luz emitida pelo visor reduz a produção de melatonina, hormônio indutor do sono. O sono de má qualidade interfere na concretização de memórias e do aprendizado do dia, dizem os neuropediatras.
Por outro lado:
- A tecnologia possibilita o aprendizado de forma lúdica;
- Fomenta o desenvolvimento da habilidade de concentração;
- Melhora os resultados na escola quando o assunto é resolução de problemas;
- Desperta o conhecimento para novas línguas e aumenta o desempenho do raciocínio lógico etc.
E de tudo e muito mais, o que tiramos?
Ou melhor, de que precisamos? Equilíbrio, eu acho.
As novas experiências que a tecnologia pode proporcionar aos nossos filhos são verdadeiramente incríveis e, acreditem, incluem o desenvolvimento afetivo, social, psicológico e acadêmico das crianças que estamos educando e preparando para a vida. Não é para serem um pesadelo. As facilidades que a tecnologia proporcionam ajudam sim a concretizar sonhos. Mas é necessário que os pais estejam ainda mais presentes na vida dos pequenos.
Participação e vínculo não são regra ou item de manual da era digital.
São fundamentos do amor.
Desde sempre.